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Foto do escritorJovens Pelo Clima Brasília

O futuro não demora e ele exige que as mudanças sejam feitas agora

O ipê é uma árvore típica do Cerrado, acostumada a passar por longos períodos de seca e que possui a incrível capacidade de trocar suas folhas por cachos de flores de cores intensas. Seu nome é de origem tupi e significa “casca dura”, em referência a sua madeira, que foi muito utilizada por povos indígenas para fabricação de arcos para caça e defesa. Uma de suas principais características adaptativas está relacionada aos mecanismos que possibilitam lidar com o calor e permitem que essa árvore não só sobreviva durante longos períodos de estiagem, mas que floresça durante a seca. E, por incrível que pareça, a floração do ipê é um mecanismo de defesa, uma vez que a planta percebe que, na falta de água, precisa se reproduzir para manter a espécie viva! Entretanto, por mais resiliente e persistente que o ipê seja, ele também é afetado pelas mudanças climáticas. O grande volume de chuvas concentrado em alguns meses pode adiar e até abortar a produção de flores, enquanto secas prolongadas antecipam sua floração - as duas situações podem preceder a morte da planta.

 O caso do Ipê é emblemático e simbólico. As consequências de uma série de decisões que priorizam o lucro em detrimento da saúde do planeta colocam em risco um dos símbolos de resiliência, força e beleza do nosso país. Já estamos vivendo as mudanças climáticas, afinal, você deve ter respirado muita fumaça tóxica nos últimos dias, certo? Ou percebido o quanto as chuvas estão chegando com mais força, as secas estão mais prolongadas e o calor cada ano mais intenso. Tudo isso foi avisado anos atrás. E o que os poderosos fizeram? Flexibilizaram leis de proteção ambiental, enfraqueceram leis de demarcação de terras e “deixaram a boiada passar”. E o futuro não demorou, agora ele bate em nossas portas. Até quando deixaremos que a sobrevivência de bilhões de vidas estejam à mercê de um jogo empresarial? O futuro não demora e, agora, ele exige que as mudanças sejam feitas. Está na hora de mudar.

Precisamos dar nomes aos responsáveis por essa crise (e tantas outras) e jogar luz no que está sendo destruído. Assim como aponta a nota “Não há planeta B! Nota do PSOL sobre a semana de ar irrespirável em todo o país”:

O agronegócio é o grande responsável pelas emissões de CO2 no Brasil. Do total de 1,8 bilhão de toneladas de emissões de C02 no Brasil, 56,3% são originadas pelos desmatamentos e queimadas, operadas pelo agro, seguido pelas emissões diretas da agropecuária, 33,7%.  O agronegócio e a bancada ruralista, são a faísca do incêndio que impacta o Brasil e envenena o nosso ar, em seus ataques as áreas protegidas, investidas contra terras indígenas, ao financiar campanhas negacionistas do clima, ao impulsionar a lei de grilagem, o marco temporal, o auto licenciamento ambiental, o pacote do veneno e criminalizar os movimentos pela terra, como o MST, que lutam por um outro modelo de produção agrícola no país.

Assim, é possível afirmar que as queimadas não tem sido um fenômeno isolado e momentâneo, mas sim  um projeto político de exploração e destruição em favor do lucro. Se esse setor é o responsável por essa crise, então por que continuamos a, sistematicamente, colocá-lo em um grau de relevância maior em relação a outros setores econômicos mais sustentáveis? Devemos procurar alternativas se desejamos manter os nossos biomas a salvo.

 O Cerrado é um bioma com uma grande variedade de espécies e uma diversidade biológica única no mundo, só nele podem ser encontradas em torno de 7.000 espécies de árvores. Além disso, se trata de um bioma de transição, ocupando cerca de 36% do território nacional, tendo contato com a Mata Atlântica, o Pantanal, a Caatinga e a Amazônia, e tornando-se, praticamente, um grande reservatório de água para diversos rios que correm pelo país, tendo relação com seis das oito regiões hidrográficas do país, e até com outros países da América Latina! Em resumo, o bioma é extremamente importante para a saúde hídrica do país e todo seu ecossistema deve ser protegido para o equilíbrio ecológico do nosso território.

Apesar dessa relevância, o Cerrado tem um dos maiores índices de desmatamento do país, cerca de 52%, sendo que entre 2019 e 2020 o bioma perdeu 29 milhões de hectares de vegetação e, nesse mesmo período, 28 milhões de hectares foram destinados a atividades agropecuárias. As consequências são sentidas em todo país, já que um dos efeitos principais é a erosão do solo e o carreamento de sedimentos para corpos hídricos. Em 2020 a Codesaf e o Exército Americano estimaram que, devido o desmatamento no Cerrado, o rio São Francisco recebeu, por ano, cerca de 23 milhões de toneladas de sedimentos, reduzindo a vazão do rio e aumentando a formação de ilhas, atrapalhando navegações e acelerando o processo de degradação do rio. Nesse sentido, ainda em 2019, a Agência Nacional das Águas (ANA) relatou que a agricultura irrigada consumiu 66,1% dos recursos hídricos, dos quais 11,6% se destinaram ao consumo animal, 9,1% às indústrias, 9,1% ao abastecimento urbano e 2,5% ao abastecimento rural, sendo que 91,8% da área equipada por pivôs de irrigação se concentra no Cerrado. O que chama a atenção nesses dados é o uso do agronegócio das águas que deveriam abastecer corpos hídricos do país inteiro, o que repercute diretamente no volume de água nos aquíferos, diminuindo a vazão dos rios e colocando em risco a vida de seus afluentes.

Nesse exato momento, o país está em chamas! E não são as chamas da revolta por tanto descaso e exploração dos nossos biomas, são chamas criminosas que se espalham sem precedentes. Segundo o ClimaInfo, no dia 10 de setembro, quase 60% do território foi coberto pela fumaça das queimadas no Brasil, e, de acordo a plataforma MapBiomas Brasil (Monitor do fogo), 2024 teve 8.013.168 hectares queimados no período de junho a agosto, quase 5 milhões de hectares a mais do que o ano passado. Atualmente, ainda restam 48% de cobertura vegetal nativa no Cerrado e metade do bioma está ocupado para uso humano, sendo que 62% da vegetação nativa está em terras privadas. O número é preocupante, pois, considerando que 85% da perda líquida de vegetação nativa ocorreu em áreas privadas, é notável que a proteção do Cerrado não tem sido efetiva. Além disso, é claro que há um enfraquecimento das leis de proteção ambiental no bioma, tendo em vista que, quando comparado com a Amazônia, o Cerrado conta com 60% a menos de proteção à vegetação dentro de áreas privadas. 

O fogo no Cerrado não deve ser normalizado, a quase totalidade dos incêndios são criminosos e colocam o bioma em risco. Combater essa narrativa é combater ideias negacionistas de que é desnecessário tomar medidas para lidar, prevenir e recuperar as áreas afetadas. Além disso, combater as queimadas é importante para garantir a qualidade de vida das populações do campo, da cidade e da floresta. Uma das principais consequências das queimadas é a fumaça, que agrava doenças respiratórias e, a longo prazo, propicia o desenvolvimento de novas doenças. Em alguns meses, teremos que enfrentar outro extremo no Distrito Federal: as fortes chuvas. No começo deste ano, diversas regiões do DF sofreram com as chuvas intensas e alagamentos, que danificaram espaços públicos e privados, destruíram casas e comércios, e geraram transtornos no trânsito e no sistema de saúde. A Universidade de Brasília sofreu com várias perdas de materiais devido às enchentes, um problema que é histórico, devido ao péssimo sistema de escoamento, tanto na UnB como na Asa Norte. Será que estamos nos preparando para fazer as modificações necessárias? 

Precisamos agir agora, o futuro não demora, e nós não podemos demorar. Se as consequências são sentidas agora, também temos de atuar agora para mudar a nossa situação. Se o problema é um agronegócio sistematizado, que prejudica o meio ambiente em favor da exportação de commodities, então lancemos a mão à agricultura familiar, fortaleçamos práticas agrícolas sustentáveis e não-exploratórias. Lutemos pela demarcação de terras de indígenas, quilombolas e povos tradicionais, responsáveis pela proteção de boa parte das florestas no Brasil. Lutemos para que os erros cometidos hoje não se repitam na próxima estação. Vamos construir um Plano de Adaptação Climática para o DF que seja participativo, baseado nas necessidades dos territórios e comprometido com a justiça social, ambiental e climática. 

 Não é na solidão que iremos transformar nossa situação. É na organização coletiva, no engajamento político, que iremos encontrar as respostas, construir oportunidades para mudança e defender nossos direitos. Não se esqueça, estão passando a boiada? É você que irá sentir os efeitos primeiro. Estão queimando o Cerrado? É você que irá trabalhar 48 horas por semana respirando algo que irá te adoecer. É você que, mesmo doente por consequência dos atos deles, ainda terá que ir ao trabalho mesmo sem conseguir levantar da cama. Chega de atitudes vazias, chega de políticas públicas que culpabilizam o povo pelos erros do agronegócio, chega de “lavagem” verde. O Futuro não demora, e nós não podemos demorar. Organize sua indignação, mobilize-se. Essa luta é coletiva e só vamos ganhar ela estando juntos. Um Ipê sozinho não faz uma floresta, mas todos juntos podemos salvar os nossos biomas. Sejamos resilientes e vamos florescer mais uma vez, mesmo em meio às chamas.


Referências:

ANA - Agência Nacional de Águas (Brasil). Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2019: informe anual. 2019a. Disponível em: <http://conjuntura.ana.gov.br/static/media/ conjuntura-completo.bb39ac07.pdf> Acesso em: set. 2020.

A Vida no Cerrado. Mais da metade da vegetação nativa do Cerrado está em área privada, indica o MapBiomas. A Vida no Cerrado, 2024. Disponível em: <https://www.avidanocerrado.com/post/mais-da-metade-da-vegeta%C3%A7%C3%A3o-nativa-do-cerrado-est%C3%A1-em-%C3%A1rea-privada-indica-o-mapbiomas>. Acesso em: 13 set. 2024. 


CBHSF - Comitê Da Bacia Hidrográfica do Rio São Fran- cisco. O Velho Chico está sendo soterrado. 2020. Disponível em: <https://cbhsaofrancisco.org.br/noticias/novidades/ revista-6-o-velho-chico-esta-sendo-soterrado/>. Acesso em: jul. 2020.

ClimaInfo. Brasil em chamas: país tem cerca de 60% de seu território coberto por fumaça das queimadas, 2024. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2024/09/09/brasil-em-chamas-pais-tem-cerca-de-60-de-seu-territorio-coberto-por-fumaca-das-queimadas/#:~:text=Apesar%20de%20quase%20n%C3%A3o%20haver,nas%20florestas%20queima%20todo%20mundo.>. Acesso em: set. 2024.


Mapbiomas. Dados do Relatório Anual de Desmatamento, 2019. São Paulo, 49p., 2020. Disponível em: <http://alerta.ma- pbiomas.org/relatorios#:~:text=Mais%20de%2060%25%20 da%20%C3%A1rea,e%20Pampa%20(642%20ha)>. Acesso em: dez. 2020.

Mapbiomas [Fogo]. Dados do Monitor do Fogo, 2024. Disponível em: <https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/monitor-do-fogo>. Acesso em: set. 2024.


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