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Foto do escritorJovens Pelo Clima Brasília

Encantos e desencontros - um diário de experiência no Diálogos Amazônicos

Início de agosto de 2023, Belém. Calor e umidade, muito movimento.

Reúnem-se em diferentes pontos da cidade Paraense, ao longo de três dias, numa correria danada, cerca de 10 mil pessoas em mais de 400 atividades sobre os principais debates socioambientais de nosso tempo. Com mais cinco plenárias principais - sobre territórios e aqueles que defendem a floresta; sobre saúde, segurança alimentar e soberania; sobre ciência e transição energética; sobre mudança climática e agroecologia; sobre povos indígenas e um tanto mais - o objetivo do evento é direto: formular sugestões para a reconstrução de políticas públicas para a região amazônica. Assim, essa síntese - tão impossível de se fazer quanto de ser considerada no tempo de 2 dias - é levada para a Cúpula da Amazônia, um evento com chefes de Estado e representantes dos países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Peru, Venezuela, Equador e Suriname.


Este é um relato - um tanto pessoal e subjetivo - da minha participação (eu Helena, integrante do Jovens Pelo Clima Brasília) nesse emblemático encontro que foi o Diálogos Amazônicos:


Poucos dias depois de voltar de Belém, minha tia Zu - bióloga que me inspira e sou grata por ser minha grande guia literária, quero exaltar - presenteou minha família com o livro "Banzeiro Òkòtó" (indicação!), no qual a jornalista Eliane Brum faz de maneira genial uma denúncia e chamado em defesa da Amazônia, suas vidas. Logo no início do livro, se pode ler:


"A Amazônia literaliza tudo. Quem entra na floresta pela primeira vez, não sabe o que fazer com os sentidos que sente, com as partes do corpo que desconhecia e que de repente nunca mais a deixará. Em algum momento, adoecem, porque o corpo da cidade, acostumado a fingir que não existe, pra poder se robotizar diante do computador, não sabe o que fazer de si".

Assim que pousei na capital Paraense (animadíssima na minha primeira vez no norte do país e nesse propósito de acompanhar e representar o Jovens Pelo Clima nesse evento inquestionavelmente relevante) senti o calor e a umidade gigantes - surreais pros parâmetros cerratenses - e não demorou muito pra que eu ficasse, de fato, doente. De alguma forma, o mal-estar que senti ao longo do evento me gerou uma reflexão pessoal além, que pra mim fez todo sentido, numa analogia com esse modo de vida adoecido da cidade, bem como a contradição do grande prédio do centro de convenções, hiper-estruturado, no meio de uma cidade um tanto quanto cheia de ausências.

Em uma das atividades em que pude ouvir um morador ribeirinho, estudante da UFPA, chamado Gato, que falava sobre a necessidade de um olhar mais cuidadoso e atento pra cidade por parte de nós que viemos de fora; que falava também sobre a Cúpula da Amazônia - e futuramente a COP 30 - enquanto espaço de tomar de volta o que é nosso, de quem protege as Amazônias, e de dar visibilidade ao protagonismo dessas pessoas; levantou-se o questionamento que até agora ecoa: "E depois? O que ficará pra nós que moramos aqui?". Com que infraestrutura a cidade receberá dezenas de milhares de pessoas daqui a dois anos e de que forma? Obras grandiosas de infraestrutura, turismo, mobilidade e logística como as que serão financiadas pela mineradora transnacional Vale - a mesma ligada aos dois dos maiores desastres ambientais da história do Brasil?

"Não é só sobre dialogar, mas como", enfatizou a professora Lilian, do projeto @cineclub_tf (que recomendo muitíssimo conhecer), na mesa sobre "Crise climática, capitalismo e insurgências periféricas".


O Diálogos Amazônicos foi exaltado por sua relevância de ser como, também, um ensaio para a COP-30 de 2025, justamente. Como pensar uma participação efetiva e precisa em um evento historicamente marcado por ser o suprassumo da contradição, onde os vilões do clima são ninguém menos que os financiadores do evento? O artigo "A Missão da COP 30", de Luís César Marques (indicação dessa vez do nosso queridíssimo Pedro Ivo) levanta pistas interessantes, em que o trecho que me salta é:

"Não obstante o fracasso redundante da Convenção-Quadro de 1992, há ainda quem acredite que as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa vão, enfim, começar a diminuir num futuro discernível. Quanto menor a credibilidade das promessas dos governantes e das corporações, maior é a credulidade requerida dos que nelas depositam suas esperanças. As duas próximas COPs parecem condenadas ao mesmo fracasso das 27 anteriores [...] E eis que, subitamente, se apresenta a oportunidade de ouro para resgatar, na 25ª hora, a Convenção do Clima. Em 26 de maio de 2023, a candidatura do Brasil apresentada pelo governo Lula à ONU foi acolhida, o que representa uma vitória importante desse governo. Uma COP no coração da Amazônia nunca aconteceu. Seu significado se situa nas antípodas das duas próximas COPs, sediadas em países geridos pela indústria fóssil. Por certo, essa vitória implica uma missão gigantesca, de longe a mais importante deste governo para o presente e o futuro imediato da humanidade e de milhões de outras espécies."

Nas três noites que passei no hotel à beira da Baia Guajará, tive o privilégio de dividir o quarto com Txai e Neidinha Suruí, pessoas que admiro enormemente. No final do evento, ao perguntar para Neidinha seus sentimentos quanto ao saldo do Diálogos Amazônicos, ela compartilhou comigo que, tentando ser menos exigente, gostaria de enxergá-lo como uma retomada, um bom encontro com pessoas necessárias que há muito não acontecia assim.

Entre contradições e esperanças (sempre), me vi, então, refletindo que é mesmo o contato, o conhecer e o valor afetivo desses encontros, o que mobiliza acima de tudo. A gente defende aquilo que ama. Neidinha me contou também das muitas ameaças, de quando mais de 50 homens, há alguns meses atrás, em Rondônia, emboscaram ela e Txai na região da “barreira 2” da Funai; ouvi o relato de uma moradora do oeste do Amazonas, que frente a estiagem desequilibrada, adiantada e agravada pelo El Niño, viu sua comunidade sem água potável e sem a possibilidade de acessar escola ou hospital pela seca do rio; em uma das atividades, foi falado sobre o trauma coletivo gerado pelo apagão de 20 dias no Amapá, que se manifesta psicologicamente até hoje para além das carências objetivas existentes; vi a preocupação sincera da perspectiva de exploração de petróleo a 160 quilômetros da costa do Oiapoque (Amapá) - na foz do Amazonas; foram muitos os relatos de perseguição política, tão corriqueiros em todas as instâncias para as mulheres negras e indígenas defensoras da Amazônia - elas que são mulheres-biomas. Não ao acaso, como o próprio assédio que acontece com a floresta, Eliane Brum, nesse mesmo livro que cito no início, diz que a Amazônia é como uma mulher estuprada. E portanto:

“A batalha pela Amazônia, o reflorestamento de si, a amazonização do mundo é um movimento para derrubar a hegemonia do pensamento ocidental, patriarcal, branco, masculino e binário que vem dominando o planeta nos últimos milênios - e exterminando, silenciando ou empurrando para as periferias todas as outras formas de se perceber no mundo, para o mundo e com o mundo. A batalha pela Amazônia é pelo reflorestamento dos mundos - os de fora e os de dentro”.

Se queremos uma floresta em pé, isso já não basta. É preciso uma floresta em pé e saudável - o ponto de não retorno da floresta amazônica será também um ponto de não retorno da consciência político-social humana.

Movimentar-se! A natureza não é fonte de recurso. É fonte de vida (tenho pra mim que vida é movimento).

Sair de onde se está é também sempre abertura para olhar pra tudo de outra perspectiva. Conheci sabores, ritmos e nomes novos nessa viagem - ao que agradeço a companhia tão especial também de Pedro, Sindy, Alice, Emanuel, Wesley - em meio a açais, bacuris, castanhas, cupuaçus, muricis, jambus, graviolas, taperebás, tucumãs, cacaus e tanta vida que não caberiam e nem saberia dizer. Enquanto há tempo, cabe a nós assumir o compromisso de disputar com todas as ferramentas que pudermos uma consciência coletiva que caminhe, na realidade, na direção oposta do “progresso” ou do próprio “desenvolvimento”: Fazer compreender que, a partir do momento em que o etnocídio e o ecocídio são admitidos em nome de “projetos de desenvolvimento”, não queremos mesmo esses projetos ou esse desenvolvimento.


Tendo passado mais esse grande evento, ainda me preocupa e desespera ver que, enquanto o momento histórico do planeta exige - para nossa existência nele - compromissos concretos que estão longe de serem assumidos, simultaneamente, termino dizendo que, viver esse encontro, é poder reafirmar a potência criativa e revolucionária das pessoas de luta, das pessoas da margem, que elaboram diarimanete - e constroem- a vida digna que queremos para muito além do cego “crescimento econômico”. É em gente vida, coletivo, que deposito minha esperança sincera.



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